Uma Carta de Amor ao RPG
Eu era só uma criança quando descobri o RPG e o amor que levaria pelo resto da vida. Lembro até hoje do dia em que vi meus amigos jogarem dados ao redor de um mapa impresso e colado de forma a parecer um pergaminho enrolado, enquanto um mestre narrava a aventura para eles, descrevendo como eles estavam batalhando contra orcs, mesmo que eu não fosse capaz de vê-los.
Não tinha ideia do que era naquele dia. Me ofereceram a oportunidade de jogar e eu acabei aceitando, já que me apresentaram a possibilidade de ser um anão tão fantástico quanto “Gimli” em “O Senhor dos Anéis”. Afinal, quem negaria esse tipo de oferta?
Jogávamos um protótipo. Não tínhamos um sistema, mas éramos instruídos a fazermos uma ficha que não sabíamos como funcionava. Assim sendo, acabamos criando o nosso próprio RPG. Só precisávamos de 1d6, onde o 1 era um acerto crítico e o 6 um erro crítico. A razão de ser invertido, eu nunca soube. Porém, uma coisa posso dar certeza: Havia muito amor envolvido de todas as partes. Abraçamos a ideia com vontade e nos dedicamos à ela.
Tínhamos na prancheta os detalhes dos nossos personagens e também os atributos. Não sabíamos como fazê-los funcionar, mas se você tinha muitos pontos em Força, certamente seria capaz de derrubar uma torre no murro. E eu fiz isso. Como um Gladiador com 16 de Força. Não usávamos os modificadores. “Você tem 16 de Força? Então você é muito forte e pode derrubar essa torre”. Era assim que funcionava. E era bom!
Eu era criança e me vi vislumbrado. A vida real não era boa o suficiente naquela época, já que eu não me enquadrava nos padrões dos meus amigos do colégio. Eu era pobre em uma escola para ricos, era gordo, tinha uma pinta enorme no queixo, um cabelo cortado no estilo “surfista” (pergunte aos seus pais, eles saberão o quê é esse corte surfista nos anos 2000) e para piorar, era apaixonado por assuntos nerds.
Ser nerd era um atestado de que você sofreria bullying no colégio. Apanhei uma vez por falar às sete horas da manhã sobre “Batman: A Série Animada”. Eu era criança e estava agindo como criança, mas de alguma maneira, eu não estava inserido no mesmo mundo dos meus coleguinhas, que apenas replicavam as opiniões dos pais sobre carros, mulheres e filmes de ação.
Que atrativo tinha o mundo para um nerd, afinal? O melhor acontecia nos computadores e vídeo-games, mas era tudo baseado em um script. Seguir uma linha, sem permitir dar asas à imaginação. Então, quando conheci o RPG, aquela foi a melhor brincadeira de todos os tempos para mim. Nem que este texto tivesse cinco mil páginas, eu poderia descrever o amor por aqueles pedaços de papel e dados.
Curiosamente, só fui descobrir o que era Dungeons and Dragons anos depois. Até lá, joguei aventuras no universo de Resident Evil, fui um mago poderoso controlador de elementos, fui fiel ao amor de uma princesa, um rei que fugiu do seu posto para viver altas aventuras… Fui tantos personagens que consegui, assim, superar a dureza do mundo real.
O RPG me ajudou. O primeiro livro que escrevi, aos oito anos de idade, se chamava “História de RPG”. Era apenas uma ideia de aventura que seguiria meus amigos. O Ranger Rick, era um dos meus melhores amigos, Henrique. O ninja Rafael, era irmão de Henrique e é até hoje o meu melhor amigo. Ainda havia o druida Galã (não me pergunte), o outro ninja Leonardo (outro amigo, e juro que não há um Donatello ou Michelangelo), e um feiticeiro chamado Lucas, enfrentando uma horda de orques, os maiores vilões para quem só conhecia Senhor dos Anéis. Eu finalmente consegui dar vazão à minha imaginação, vivendo um mundo de fantasia onde apenas a minha imaginação era o limite.
Então é, esta é uma carta sobre como o RPG mudou a vida de uma criança que tinha tudo para se tornar reclusa em seu mundinho e fez ela descobrir o amor pela leitura e escrita. E sei que não é uma história única, que se passou apenas comigo. Muitos outros conheceram o Role-playing Game em um momento onde eles também precisavam satisfazer sua criatividade.
Talvez você pense hoje que jogar RPG seja algo difícil. Talvez pense que não tem imaginação o suficiente, ou que vai precisar gastar muito dinheiro para entrar no meio deste hobby. Pode ser que no passado fosse assim. O acesso aos conteúdos tornou-se muito mais simplificado. Não apenas Dungeons and Dragons, mas toda uma gama de sistemas que usam as mais variadas regras para fazê-lo embarcar em aventuras verdadeiramente épicas.
Hoje, vinte anos depois, o RPG virou parte da minha rotina. Ser nerd é muito mais fácil e agradeço muito por isso. Dificilmente veremos um bully novamente xingar um nerd por ele gostar de jogos de tabuleiro e RPG de mesa, já que ele assiste séries como “Stranger Things”, que ajudou a popularizar o jogo, ainda que “Caverna do Dragão” o tenha feito muito antes, sem que as pessoas soubessem do que se tratava.
O céu não é o limite.
Mas até hoje me pergunto: E se naquele dia eu não tivesse ido diretamente para os meus amigos conhecer o RPG? E se não tivesse passado anos e anos da minha vida jogando aventuras que não se preocupavam com regras?
Bom, provavelmente hoje não estaria escrevendo este texto.
A vida me pediu um teste e eu tirei 20.
Ufa.
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